América Macanuda entrevista Shana Müller

>> sábado, 19 de junho de 2010

por Chico Cougo

(Arquivo América Macanuda)

Ela é jornalista, intérprete de sucesso e, agora, dona do selo fonográfico GM/2 Música. Guarda irrestrita admiração pelos artistas platinos, especialmente por “La Negra” Mercedes Sosa, com quem teve a oportunidade de dividir palcos. Começou muito jovem e, aos 12 anos, participou de sua primeira gravação, ao lado de Wilson Paim. De palco em palco, Shana Müller é uma das maiores revelações da música gaúcha na última década: conquistou o respeito do exigente público festivaleiro, conseguiu espaço na mídia e, com passos firmes, quer ser do mundo.

A cantora, que está lançando seu terceiro disco, “Brinco de princesa”, concedeu entrevista ao América Macanuda, onde falou de seu passado, seus projetos e dos desafios para o presente e futuro. Acompanhe:

AMÉRICA MACANUDA: Apesar de jovem, você já ostenta uma carreira relativamente longa, sendo, inclusive, considerada uma das grandes revelações da música regional gaúcha na última década. Como teve início sua trajetória artística?

SHANA MÜLLER: Minha trajetória iniciou por um desafio. Eu morava em Alegrete e resolvi entrar no grupo de danças do CTG Farroupilha, onde meu pai era sócio. Aí foi um encantamento com a cultura e com todas as atividades que envolviam aquele grupo social. Resolvi que queria ser primeira prenda e, para tanto, deveria desenvolver alguns “dotes artísticos”. Foi assim que comecei a fazer aula de violão com meu professor, Vicente Guglielmi, quem me encorajou a subir ao palco pela primeira vez. Logo o violão foi deixado de lado e me dediquei a cantar. Dai viram as participações em concursos infantis em festivais e rodeios, a gravação de Vitória-Régia com Wilson Paim e a certeza de que a musica faria parte de minha vida de alguma maneira.

AM: Você tem sido bastante identificada aos festivais de música nativista, dos quais participa ativamente. Qual a importância destes certames em sua carreira e até que ponto você os considera eficazes para a divulgação de seu trabalho?

SM: Eu tive uma história um pouco diferente da maioria dos cantores de festivais. Geralmente o festival é o primeiro passo para o artista, músico, intérprete ou compositor que quer mostrar seu trabalho. Eu recém tinha me formado em jornalismo e encerrado minhas participações como cantora de grupos de danças dos CTG’s. Como cantora “adulta” tinha participado do projeto “Palco do Rio Grande” à convite de Luiz Carlos Borges, onde reinterpretamos o Conjunto Farroupilha e os Gaudérios em um lindo show, no Teatro do SESI, aqui em Porto Alegre. Mas a maioria dos compositores não tinha ouvido nenhuma interpretação minha que não fosse a gravação infantil de Vitória-Régia [Shana Müller contava apenas 12 anos de idade na ocasião]. Aí me convidaram para fazer um show em Piratini, na Semana Farroupilha. Na época, chamei o musico Márcio Rosado para me ajudar a montar o repertório e ele acabou me incentivando a gravar. Assim, gravei meu primeiro CD, “Gaúcha”, em 2004. E a partir daí minha participação nos festivais começou a ser mais efetiva. Antes disso, tinha participado apenas de um. E acredito que hoje existem muitas maneiras de mostrar o trabalho, de começar. O festival é apenas um meio e não tem mais o mesmo impacto que antigamente; o que não é demérito nenhum. O mercado mudou. A forma de consumo da musica também. O festival continua sendo um palco importante e fundamental na divulgação do trabalho dos artistas gaúchos no mercado da musica do sul.

AM: Em “Gaúcha” (2004, USA) e “Firmando o passo” (2006, USA) você investiu em um repertório diversificado, mas bastante vinculado à produção musical nativista. Tem pretensões de diversificar ainda mais os gêneros musicais de seus próximos discos? Há uma preocupação em superar o repertório meramente nativo, investindo em outros tipos de temas?

SM: Acredito que não. Acho que meus três discos acabaram sendo um a continuação do outro. Digo isso em relação a meu sentimento como cantora, minhas ânsias e até mesmo o meu amadurecimento como música e como artista. A gente evolui, percebe outras coisas, outros sons; recebe outras influências. Contudo meu trabalho é vinculado completamente a musica regional gaúcha. Esse é e seguirá sendo o estilo musical a que me dedico pelo simples fato de que esta é a musica que me emociona. E se não me toca, não consigo interpretar. Sou uma cantora muito mais emocional que técnica. E acredito que isso é fundamental para chegar às pessoas. Afinal, quando nos dispomos a ser artistas, seja de que área for, temos um objetivo: transmitir algo; seja através da voz, da pintura, da interpretação. E temos que descobrir de que maneira queremos e podemos fazer isso. A minha maneira é falando do meu lugar, do sentimento do meu povo. Não me rotulo uma cantora nativista, tradicionalista, enfim. Sou uma cantora regional gaúcha, em toda a amplitude deste universo que é o sul do mundo. E assim pretendo seguir. Sem deturpar nada, mas enxergando o mundo na realidade de hoje e a musica como parte disso.

AM: Através de cantoras como Soledad Pastorutti, a música de inspiração folclórica da Argentina ganhou um novo fôlego na última década, alcançando ampla popularidade e prestígio, inclusive no mercado fonográfico. Você acha que este processo repercutiu ou pode repercutir no Rio Grande do Sul? Seu trabalho inspira-se, de alguma forma, no movimento do novo folclore argentino?

SM: Acho que a música argentina nunca perdeu seu prestígio. Sempre existiram movimentos que “renovaram” a produção artística deles e permitiram estar sempre chegando ao povo. A Argentina é um país. Nós trabalhamos com a cultura de uma região, de um país imenso e diverso. Acho que são universos diferentes e, por isso mesmo, devemos buscar a nossa maneira e o nosso caminho. Temos muito mais vantagens que desvantagens em estarmos nesse ponto de passagem de tantas influências musicais e de fazermos parte de capítulos distintos da história do nosso país, o que nos torna gaúchos, mas muito brasileiros. Nós temos o sotaque da América Latina e o suingue e a harmonia da arte brasileira. Pra quê querer mais? Temos que usar isso a nosso favor. Meu trabalho acaba sempre sendo inspirado de alguma maneira em artistas que aprecio e admiro. É o caso de cantoras nem tão conhecidas na grande mídia argentina, mas de talento enorme, como Laura Albarracín e Luna Monti. Elas fazem parte deste novo movimento da Argentina no que se refere à renovação musical do folclore.

AM: Em 2008, você dividiu palco com Mercedes Sosa, o maior ícone da canção popular latino-americana. Conte-nos como foi essa experiência.

SM: Inesquecível e inexplicável. Foi como se estivéssemos apenas nós duas, e não as 5 ou 6 mil pessoas que lotavam o ginásio da Fenarroz, em Cachoeira do Sul, quando cantei com ela pela primeira vez. Foi mágico, primeiro por estar ao seu lado, e, segundo, por ouvir minha voz junto à dela. Acho que não vou viver momento tão importante em minha vida, até porque Mercedes sempre foi e sempre será meu grande ídolo!  Por isso, dediquei a ela meu novo CD e gravei o chamamé Ñangapiri, de Tarrago Ros, que foi a musica que cantei com ela em Cachoeira e depois, também, em Porto Alegre, em sua última apresentação na capital gaúcha.

(Arquivo pessoal da cantora)

AM: Além da carreira solo, você participa do premiado projeto Buenas e M’espalho, com Érlon Péricles, Cristiano Quevedo e Ângelo Franco. Como surgiu essa idéia?

SM: O Érlon e o Cristiano vieram morar em Porto Alegre em 2007; e o Érlon acabou auxiliando um bar a fazer uma programação regional. Me chamou para cantar em um dos dias. Logo o projeto se extinguiu nesse lugar e nós seguimos nos reunindo. Já éramos parceiros de música (eu já havia gravado músicas do Érlon e do Ângelo, que é até meu compadre). Estreitamos ainda mais nossa amizade. Foi na volta de uma Barranca, aquele festival aonde só vão homens [risos], que os guris chegaram com a novidade de que o Renato Mendonça, da Zero Hora, viria na Casa Dez (uma espécie de república onde moravam o Érlon, Cristiano, Paulinho Goulart, Felipe Álvares, Marcelinho Freitas – todos artistas) fazer uma matéria sobre os músicos interioranos que vinham para capital tentar a sorte. Me chamaram para participar. Aí contamos cada um sua história. Mendonça chamou a matéria de “Buenas e M’espalho” e nós nos demos conta de que tínhamos tarefas a cumprir como, de alguma maneira, reforçar a música regional na capital. Projetamos uma festa gaúcha, num bar que não tocava música desse estilo e foi um sucesso. Depois daí, outras festas, shows no interior, o CD, seis indicações ao prêmio Açorianos de música e duas vitórias: melhor disco regional e melhor instrumentista, para o Felipe Álvares. Até hoje a gente segue fazendo shows, como um projeto paralelo às carreiras individuais de cada um. E é sempre um encontro de alegria pra todos nós e que pretendemos que siga por bastante tempo, inclusive, trazendo outros cantores.

AM: Como é ser uma mulher num meio tradicionalmente dominado por intérpretes masculinos, como a música do Rio Grande do Sul? Quais as grandes dificuldades e os maiores desafios em relação a isso?

SM: Para mim sempre foi muito tranqüilo. Talvez porque eu tenha três irmãos homens, nunca me incomodei em conviver com mais homens do que com mulheres e minha relação sempre foi de muito respeito. Por essa mesma razão, nunca me senti excluída ou prejudicada por ser mulher. Pelo contrario. Acho que em alguns momentos tenho até vantagens. Essa questão do machismo, para mim, já está um pouco ultrapassada. Talvez as mulheres, em muitos casos, sejam mais machistas que os homens. Sempre tive meu espaço, sempre cantei os temas que quis, portanto, sempre tive uma relação tranqüila com o fato de ser mulher em um meio em sua maior parte masculino.

AM: Historicamente, o número de mulheres artistas na música gaúcha foi sempre escasso. Apesar disso, nomes como Mary Terezinha e Berenice Azambuja alcançaram um êxito muito grande, figurando nas paradas de sucesso e mantendo contrato com grandes gravadoras. Você vê alguma continuidade entre o passado das artistas regionais e sua trajetória? Qual?

SM: Acho que as mulheres e os homens artistas que “dão certo” são resultado principalmente de seu esforço e de seu trabalho. Claro que tem aquela história da “estrela” de cada um. Eu tenho a minha e todo dia trabalho por ela, seja me aperfeiçoando como cantora, seja trabalhando em meu escritório e projetando meus objetivos. Acredito no sucesso oriundo do trabalho, da competência e da responsabilidade. Esse é o caminho que busco para firmar minha carreira e deve ter sido o delas para chegar aonde chegaram.

AM: Em 2005, o jornal Diário Gaúcho reportou sua admiração pelo repertório de Teixeirinha, o maior sucesso da fonografia gaúcha. Ainda hoje existe um grande hiato entre os artistas regionais e a produção musical dos anos 1960-1970, sucesso nas vozes de Teixeirinha, Gildo de Freitas, José Mendes etc. Como você acha que este hiato poderia ser minimizado? Você pensa em, futuramente, trabalhar essa questão?

SM: Para mim a musica é uma manifestação artística que resulta do dia-a-dia de quem a faz. A realidade do mundo de hoje é muito diferente dos temas destes grandes artistas, o que não desvaloriza em nada o que foi feito por eles. Sou grande admiradora do trabalho de todos estes que citastes, mas acredito que cada artista deva buscar sua manifestação mais autentica e, só assim, conseguirá um espaço, criando seu público, despertando nas pessoas a vontade de ouvir o que tem a dizer. E isso, para mim, só se consegue de uma maneira longínqua, sendo diferente do que foi feito, sendo autêntico, sendo único. Teixeirinha, Gildo, Mendes foram únicos. Não que não possam ser relidos. Mas se o forem, devem ser de uma maneira muito criativa e distinta. Quem sabe?!

(Arquivo pessoal da cantora)

AM: Você está lançando um novo disco. O que seus fãs podem esperar desta nova produção? O que muda na Shana Müller deste CD em relação a dos anteriores?

SM: Me sinto mais madura e acredito que deva ser sempre assim. No decorrer dos anos, amadurecendo como artista, como cantora e como mulher, o trabalho de certa maneira vai acompanhando esse processo. “Brinco de Princesa” é o resultado desses três anos de meu amadurecimento. Busquei fazer um disco com requinte de arranjos, com bons músicos. Dei o melhor de mim. E sempre espero que os próximos sejam melhores. Assim deve ser. Quem ouvir este novo disco irá conhecer um pouco mais das informações musicais e de vida que trago comigo. Não há mudanças. Há um processo de evolução, acredito eu, comum a todos os artistas, a partir de suas vivências e experiências. Tenho o desejo de sempre fazer um disco distinto do outro. Esse é diferente dos outros dois e até mesmo do disco com o Buenas e M’espalho.

AM: Qual recado final você deixa aos leitores do América Macanuda?

SM: É um recado geral, aos amantes da cultura regional e àqueles que estiverem dando uma passadinha: conheçam mais da cultura regional gaúcha. Vocês podem se encantar. E contem a um ou dois amigos do que gostarem. Assim, quem sabe, a informação sobre as belas manifestações artísticas que temos aqui no Estado possam chegar à um numero maior de pessoas.

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