Nei Lisboa falou bobagem

>> terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O Zero Hora de hoje publica, no Segundo Caderno, mais um capítulo da polêmica envolvendo o músico Nei Lisboa e os defensores da música tradicional gaúcha. No dia 25 de janeiro, em entrevista à ZH, Nei se disse não-identificado com a música regional do Estado. Em trecho controverso, o cantor afirmou considerar a produção musical típica do Rio Grande do Sul “muito ruim, estética, ideológica e musicalmente”. Para exemplificar seu raciocínio, usou o cantor Teixeirinha, maior fenômeno de vendas da História do RS.

Depois de classificar a música regional como “reacionária” e “intragável” para qualquer pessoa “minimamente esclarecida”, Nei Lisboa despertou a ira dos apaixonados defensores do tradicionalismo. Hoje o cantor assina um texto em Zero Hora onde, tentando justificar sua posição, questiona: “se há de fato [na música gaúcha] aqueles que refugam o modelo oficialista e conservador, pouco se escuta sua voz. Onde está essa contestação? No espaço mais visível da mídia, o que predomina é uma nebulosa monotemática, sempre pilchada a rigor e exaltando aquele Rio Grande que, sabe-se bem, nunca existiu” – afirma.

Compartilho da opinião do presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho, Oscar Gress: não há motivos para trucidarmos Nei Lisboa. Também compactuo com o músico Bebeto Alves, que considera esta discussão ultrapassada. Porém, foi Nei quem trouxe o assunto à baila, mostrando que ainda existem arestas a serem aparadas. Debatê-las é fundamental, então.

Primeiramente, há que se ressaltar a infelicidade das declarações de Lisboa. E em ambos os textos. Além de considerar-se “esclarecido”, manobra narrativa que ofende a qualquer leitor contrário a sua opinião, o artista acabou entrando de gaiato em um navio onde não foi chamado. Ao ler a primeira entrevista, que desencadeou toda a polêmica, vemos que em momento algum Lisboa foi questionado sobre o tradicionalismo gaúcho. Ao contrário, foi ele quem deu o pontapé inicial na discussão. E por livre e espontânea vontade, desferindo críticas duras (embora realistas, em alguns pontos) gratuitamente.

Pior do que isso, é o despreparo do músico porto-alegrense sobre tais assuntos. No mesmo parágrafo em que critica o tradicionalismo sul-rio-grandense por sua suposta pobreza estética e ideológica, Nei cita como exemplo o cantor Teixeirinha, um personagem que, em vida, sofreu todo tipo de retaliação por parte do próprio MTG (incluindo seu braço mais sofisticado, o “fenômeno dos festivais”) justamente por não se adequar à cartilha da tradição. Como mostro em minha dissertação de mestrado (que no mês que vem será defendida na Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Vitor Mateus Teixeira foi uma figura que transitou nos mais diversos nichos musicais brasileiros. Ele atuou com muita força nas cinco regiões do Brasil, fez de sua música um regionalismo universal (o mesmo que Luiz Gonzaga), comunicou-se facilmente com distintos públicos e, à despeito da citada pobreza estética de sua obra, entregou a maior parte de seus 49 LPs inéditos à diretores, produtores e músicos consagrados, não por coincidência os mesmos que assinaram alguns dos maiores clássicos da MPB, discos de Elis Regina, Chico Buarque, Nelson Gonçalves e Roberto Carlos, por exemplo.

Além disso, fazer uso de Teixeirinha para exemplificar pobreza ideológica é cair no velho preconceito que considera a obra deste artista alienada do contexto sócio-cultural brasileiro. Já afirmou a filósofa Marilena Chauí que, no Brasil, há uma música considerada popularesca, comercial, “lixo cultural”, mas que, constantemente, é ela quem brada contra a situação de miséria e abandono do brasileiro pobre, esquecido pela “alta MPB” (aquela “esclarecida”, preocupada em destruir a ordem vigente com seu protest song). Como provo em minha dissertação, Teixeirinha enquadra-se exatamente neste perfil. Através de sua música, uma enorme parcela da população brasileira – composta por caminhoneiros, empregadas domésticas, pedreiros, enfim, operários e agricultores de vida dificílima – identificava-se e via suas agruras diárias contadas. Ou será que ninguém percebeu que Coração de luto, por exemplo, é um dos maiores gritos de protesto dos órfãos e menores abandonados em todo o país?

Não sei se Nei Lisboa está certo ou errado em sua explanação sobre o gauchismo. Sabemos que ele tem razão em vários pontos, que o MTG bitolou grande parte da produção artística do Rio Grande do Sul, que nossos festivais não são a oitava maravilha do mundo, que nossa música nativa precisa se rever (vivo escrevendo isso, aqui). Porém, sobre Teixeirinha em especial, sou da opinião de que Lisboa falou bobagem, defendeu idéias mais do que obsoletas e incorreu no mesmo preconceito que seus pares incorriam 40 anos atrás: o de julgar sem ouvir. Lamentável!

2 comentários:

Alex Santos 18 de fevereiro de 2010 às 10:58  

O que eu conheço e adimiro do Rio Grande do Sul (seja tradicionalismo, Gildo de Freitas, José Mendes, Velho Milongueiro...) é graças a Teixeirinha e suas canções.

E quem é esse tal de Nei mesmo? Nunca ouvir falar. Ou ele é sem "talento", ou está precisando fazer com que sua obra chegue ao povo. Fico com a segunda opção.

Alex Santos
Campo do Brito/SE

Anônimo 25 de fevereiro de 2010 às 15:22  

Intragável é o jingle dele pro PT.

Leia também:

Direitos de uso do conteúdo

Todo conteúdo textual aqui publicado pode ser divulgado e distribuído livremente pela Internet, mas desde que citada a fonte. Para uso em publicações impressas, entre em contato pelo e-mail chicocougo@gmail.com .

  © Blog desenvolvido com base no template Palm , disponível em Ourblogtemplates.com América Macanuda 2010

Voltar para o TOPO