Livros: “Califórnia da Canção Nativa”

>> segunda-feira, 22 de março de 2010

por Chico Cougo

No final dos anos 60, o estancieiro Colmar Pereira Duarte teve sua composição Abichornado desclassificada de um festival realizado pela Rádio São Miguel, de Uruguaiana. O motivo do corte: Abichornado era uma canção regionalista, que falava das coisas da terra e fugia da proposta do festival. Inconformado, Colmar prometeu a si mesmo que vingaria aquela derrota. E de uma forma maior do que qualquer retaliação mesquinha: ele próprio criaria e ajudaria a organizar a Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, o mais importante festival da História musical do Estado.

É esse o mote central de Califórnia da Canção Nativa: marco de mudanças na cultura gaúcha (Movimento, 2001). No livro, que conta com quase duzentas páginas recheadas de imagens e depoimentos de suma importância, a trajetória da Califórnia é remontada desde suas origens, enfocando as polêmicas pelas quais passou e as mudanças que instaurou no meio cultural gaúcho. Escrito por José Édil de Lima Alves e pelo próprio Colmar Pereira Duarte, o livro parece ter sido idealizado, de um lado, como um balancete sobre as conquistas e dificuldades do festival e, de outro, como uma “biografia” do movimento que ele ensejou. Daí a abundante participação de depoentes, documentos e de uma didática linha cronológica que ajuda a visualizar os avanços e retrocessos da Califórnia até sua 29ª edição.

Apesar do tom de História oficial, o livro abre o flanco para discutir algumas das principais polêmicas que povoaram os quase 40 anos de História da Califórnia. Quem é o verdadeiro idealizador do festival? Páginas e mais páginas são gastas para afiançar que Colmar é o “pai” legítimo do evento, mas, ainda assim, volta e meia surgem trechos que põem em xeque esta assertiva. Outra polêmica: cantores com sotaque castelhano podem ou não participar do certame? A discussão é substituída pelo pedido de suspensão do festival feito pelo cantor Daniel Torres, em 1999 – e que foi negado pela justiça (o cantor alegava preconceito por parte da organização, que não admitia sotaques estrangeiros).

Entre acusações e oficializações, Califórnia da Canção Nativa: marco de mudanças na cultura gaúcha parece um livro fundamental para compreender o desenvolvimento da Califórnia e de toda a cultura dos festivais nativistas no Estado. Mais do que isso, na medida em que o livro avança, fica mais perceptível o ideal de higienização da cultura gaúcha, que permeou este movimento gestado, ao fim e ao cabo, nas esferas da classe média/alta.

Enfim, uma obra de leitura obrigatória para os interessados na cultura sulina e em seus debates mais profundos. Vale a pena lê-lo!

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