América Macanuda entrevista João de Almeida Neto

>> terça-feira, 23 de março de 2010

por Chico Cougo [@chicocougo]
                                                                                                 Arquivo pessoal do cantor

Há trinta anos um vozeirão de respeito vem conquistando os principais festivais de música do Rio Grande do Sul. Ele já arrebatou Coxilhas, Tertulias e Califórnias da Canção Nativa. Canta milongas, xotes, vaneiras, tangos e até samba-canção. Fora dos palcos festivaleiros, também é um sucesso. Com oito discos e um DVD no currículo, o advogado, compositor e cantor João de Almeida Neto, dono da “Voz do Rio Grande”, é um dos maiores ícones da música regionalista gaúcha atual. Apaixonado por Carnaval e futebol, seu vasto repertório inclui temas políticos, românticos, humorísticos e até clássicos de Gildo de Freitas. O artista, que mantém em sua agenda quatro tipos diferentes de shows (incluindo “Gaúcho também chora”, onde interpreta clássicos do tipo “dor-de-cotovelo”), aceitou ser o primeiro entrevistado do América Macanuda e revelou detalhes de sua vitoriosa carreira. Objetivo e ferrenho defensor da cultura nacional, o cantor contou, ainda, que planeja lançar um CD e um DVD em breve. Confira:

América Macanuda: Conte-nos um pouco sobre o início de sua carreira profissional como cantor e compositor.

João de Almeida Neto: Comecei no início da década de 80, como músico da noite na PULPERIA, bar e restaurante que reunia a juventude adepta do movimento nativista, emergente na época. Em função de participações exitosas em festivais, principalmente na 5ª Tertúlia de Santa Maria, 1º Musicanto de Santa Rosa e 1ª Coxilha de Cruz Alta, aos poucos, fui abrindo mercado para shows no interior do Estado e depois fora dele. Gravei o primeiro disco em 1989.

AM: No disco “Coração de Gaúcho” (USA Discos, 2000), você gravou Sem você não sou feliz, de Gildo de Freitas, e Guitarreiro para um guitarrista, de Luiz Coronel e Marco Aurélio Vasconcelos, duas canções que representam autores de movimentos historicamente opostos na música gaúcha. Em outros discos você repetiu esta fórmula com facilidade e sucesso. Diante disso, podemos pensar que João de Almeida Neto é tradicionalista, nativista, regionalista ou que não tem um rótulo definido? Como você transita com tanta facilidade em gêneros aparentemente tão diferentes?

JAN: Efetivamente, antes do exemplo que citaste eu já havia gravado Definição do Grito, no meu 1º disco, Homem Feio Sem Coragem Não Possui Mulher Bonita e Trança de China, todas do Gildo. É que não considero a música regionalista e nativista de movimentos “historicamente opostos”, mas linguagens da mesma cultura, com dialéticas diferentes. Ambas versam sobre a cultura popular gaúcha. Admito que a vertente nativista tem, ou teve, uma concepção poética mais culta e uma construção melódica mais rebuscada. Se eu tiver que me abrigar em algum dos segmentos, certamente será na linha nativista, porque foi de onde vim, vide histórico dos festivais, mas admiro e respeito todas as manifestações culturais populares.

AM: Há quem diga que sua voz é muito semelhante à de Nelson Gonçalves e você próprio admite que o “Metralha” é uma de suas referências musicais. Nunca pensou em gravar um disco com temas do repertório de Nelson? E de outros autores não identificados exclusivamente ao Rio Grande do Sul? Seu show “Gaúcho também chora”, que explora temas como a boemia, é uma direção neste caminho?

JAN: Ser comparado ao Nelson Gonçalves é um honra para mim. Procuro escutar cantores que admiro (Orlando, Nelson, Nat King Cole, Azsnavour, Carlos do Carmo), não para copiá-los, mas para aprender as malandragens vocais. Nunca me atraiu a idéia de refazer o repertório de um cantor, tipo bancar o sucessor. Acho isso apelativo. O show “Gaúcho Também Chora” procura mostrar sambas e choros compostos por gente ligada ao nativismo e que eu também posso incursionar pela MPB, como cantor.

                                                                                              Acervo pessoal do cantor

AM: A música do Rio Grande do Sul vive um momento de projeção nacional limitada. Diferente de outros momentos da História, quando artistas como Teixeirinha, Berenice Azambuja e Gaúcho da Fronteira eram sucesso em todo o país, hoje vivemos um processo de sucessos locais e com pouca expressão nacional. Como você encara esta questão? Em sua opinião, o que pode ser feito para que a música regional quebre as fronteiras do Estado e volta à cena com força?

JAN: Não é de todo verdade que estejamos “órfãos” de artistas com expressão nacional. Renato Borghetti e Yamandú Costa contam com prestígio em todo o território brasileiro e, até mesmo, no exterior. O que não temos é gente sistematicamente na mídia. Mas isso não acontece apenas com músicos gaúchos. Há muita gente boa por este País afora que a mídia não conhece. Isso é mais problema da mídia, que não se importa com a cultura brasileira e divulga apenas os enlatados das gravadoras. Como dizia o Aldir Blanc: “o Brasil não conhece o Brasil”. É possível que um maior investimento em divulgação pudesse mudar esse panorama. No meu caso, falta disciplina e dedicação. Quem sabe até um pouco de humildade pra “pedir penico”pra programador de rádio.

AM: Em 1988, você classificou três canções para a noite final da Califórnia da Canção Nativa e arrematou o prêmio de melhor intérprete. Este foi apenas um dos capítulos de sua história vitoriosa no festival de Uruguaiana. Você considera a Califórnia como o palco mais importante de sua vida? Qual a sua opinião sobre os rumos que o festival tomou nos últimos anos?

JAN: Considero o Movimento Nativista um processo cultural que se alastrou por todo o Estado e sob essa óptica todos os festivais tiveram sua parcela de importância na renovação estética/cultural de nossa música. A Califórnia foi o primeiro desses palcos. O pioneiro. Nada teria acontecido sem ela. Por isso se destaca. Eu andei por todos eles. De cada um colhi uma experiência. Palco é palco, amigo. É um mundo à parte. Desde o mais humilde coreto de rodeio, ao mais glamoroso cenário de teatro, sobre eles está, humilde ou glamorosa, a ARTE, para se plantar ou se colher. Os festivais cumpriram um ciclo. Longo ciclo. É natural que tenham perdido força. A Califórnia descuidou de alguns detalhes e se desprestigiou por isso. Seria necessário mais tempo e espaço para detalharmos isso. Independente do rumo que tenha tomado deixou seu legado e poderá, se quiser, retomar seu lugar na história do movimento.

AM: Quais são as maiores dificuldades que os artistas da música regional ainda encontram?

JAN: A pouca expansão do mercado de trabalho, o desamparo classista, a falta de divulgação espontânea do seu trabalho e o preconceito contra a música rural.

AM: As recentes polêmicas envolvendo, primeiro, o MTG e os grupos da chamada “Tchê Music”, e, depois, as declarações do músico Nei Lisboa – que, em entrevista ao jornal Zero Hora, classificou a música regional gaúcha como “intragável” – fizeram com que o debate sobre a qualidade do se produz musicalmente no Rio Grande do Sul voltasse à tona. Você acha que este debate é válido? A polêmica ajuda ou atrapalha?

JAN: Acho que a polêmica e o debate sempre ajudam. Como disse Ptolomeu: “Da discussão nasce a luz”. Mas não no nível colocado pelo Nei. Uma coisa é criticar, outra é ofender. Intragável foi a postura dele, que pelo jornal disse o que disse e depois se negou a ir aos debates a que foi convidado. Amarelou. Ficou com medo de sustentar a própria palavra. As questões do MTG e da “Tchê Music” são menores do que as questões culturais, como um todo. Não se pode tê-los como a folha de rosto da cultura do Rio Grande. Debater sobre o que eles têm de bom ou de ruim é apenas procurar caminhos e não decidir, definitivamente, como as coisas devem ou não devem ser. Existe cultura além do MTG e existe música além da “Tchê Music”.

AM: Como advogado e artista, o que você pensa da Internet enquanto meio de divulgação artística? A troca de arquivos de MP3, por exemplo, tem beneficiado ou prejudicado a difusão de seu trabalho?

JAN: Como músico ou como advogado não posso concordar com a pirataria. Mas internet é um problema maior para as gravadoras do que para os artistas, na medida em que os discos não pertencem a estes, mas a elas. Por outro lado não há como negar que a troca de arquivos e as disponibilidades musicais na rede ajudam a tornar o trabalho do músico conhecido. Mas isso não torna lícito o que é ilícito.

                                                                        Arquivo pessoal do cantor

AM: Quais são seus próximos planos? Você está trabalhando em algum novo projeto de show e/ou disco? Pode adiantar algo para nossos leitores?

JAN: Tenho um disco novo já entregue para a gravadora, que o lançará brevemente. BRASILEIRO E CASTELHANO, se chama. Gravei músicas novas e uma milonga candombe, de um compositor uruguaio, em espanhol. Estou organizando a continuidade do GAUCHO TAMBÉM CHORA, para levá-lo para fora do Estado e para gravar um DVD.

AM: Qual o recado você deixa para o leitor do América Macanuda?

JAN: Não sou muito de dar conselhos. Acho que é porque não sou muito de segui-los. Mas se me permitem, sugiram que as pessoas valorizem mais a cultura nacional.

2 comentários:

Paulo Olmedo 23 de março de 2010 às 21:13  

Dê-lhe boca, essas bocas cantoras... Esse eu respeito. Apesar de ter sido um tanto político nas respostas, gostei do que li.
Parabéns pela entrevista, Chico!

luiz pereira 5 de maio de 2010 às 19:27  

Amigo João,o Rio Grande te agradece pela confiante e corajosa resposta ao desinformado Lisboa,eu continuo acreditando em homens com tua estirpe,gracias e me permita informar ao amigo que estou de volta no canal 20 da net com o programa ETNIAS,gostaria de ter teu trabalho en DvD porque estou trabalhgando com este produto que nos proporciona qualidade em todos os sentidos,preciso que este guerreiro cantor me envie seu trabalho junto com uma autorização para divulgalo no programa e evidente em momento oportuno nos dar o prazer de entrevistalo para ainda mais ilustrar o nosso trabalho.Para o momentoi éra isto espero ter sua atenção e na certeza de uma resposta positiva aguardo.Meu endereço é;Rua Matheo Gianela 164 bairro Pio X Caxia do Sul rs um forte abraço deste seu amigo Xiru Pereira

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