Solemania: Poncho al viento (Sony/BMG, 1996)

>> terça-feira, 29 de junho de 2010

por Chico Cougo

Fotos: Sony/BMG


O que esperar de um disco gravado em cerca de 8 horas, por uma cantora-mirim saída do interior argentino, com o simplíssimo acompanhamento de apenas dois violões (guitarras, para os argentinos) e um bombo? Fracasso seria a resposta mais coerente, se o disco não fosse “Poncho al viento” e se a cantora não fosse Soledad Pastorutti.

Os ventos do “furacão de Arequito” recém começavam a soprar pela Argentina. Com apenas 15 anos, Soledad (acompanhada por sua irmã Natália) fora congratulada com o “Cosquín de Oro”, na edição de 1996 do maior festival folclórico da América do Sul. Do palco onde cantou quatro músicas (pela programação cantaria duas, mas o público exigiu mais um par), a menina de roupas simples, cabelos maltratados e sardas no rosto, saiu direto para o estúdio El Cono Del Silencio, em Buenos Aires. Com direção de Fernando Primero e masterização de Edgardo Suarez, em pouco tempo o CD “Poncho al viento” ficou pronto. Na distribuição, uma receosa Sony dava restrita divulgação ao álbum.

Só que algo aconteceu...

Inexplicavelmente, depois de um breve período de vendas regulares, “Poncho al viento” começou a subir nos rankings de comercialização. Em pouco tempo, o disco superou a marca dos 800 mil exemplares vendidos, um recorde na discografia argentina, até então. “Poncho…”, talvez o mais pobre trabalho fonográfico a fazer tanto sucesso, permaneceria por um ano e meio entre os dez discos mais vendidos da Argentina e arremataria um inacreditável disco de Diamante, outorgado pela CAPIF (espécie de associação dos produtores fonográficos daquele país).

O que fez de “Poncho al viento” um sucesso tão vasto é uma questão dificílima de ser respondida. Soledad ainda não era conhecida; o disco foi feito às pressas, no embalo da apresentação da cantora em Cosquín; o trabalho em cima do álbum foi fraquíssimo (só a capa, esteticamente pouco “inspirada”, já mostra isso). Porém, a menina de Santa Fé estava fadada ao êxito. Em parte pela empatia imediata que criou com o público, tão logo deu as caras nos escenarios e na TV. Depois, pelo que resolveu cantar. E aí é preciso ouvir seu disco-debute com atenção.

“Poncho al viento” tem uma musicalidade linear, dada a mísera quantidade de instrumentos no acompanhamento (gravaram com Sole apenas os três músicos que já a acompanhavam em shows). O repertório, porém, é forte, composto quase que só por clássicos e obras de compositores consagrados. Nos 35 minutos e 33 segundos de música, estão as zambas Salteñita de los valles (Horacio Guarany, faixa 1), El duende del bandoneón (Pedro Favini e Oscar Mazzanti, 4) e Rosário de Santa Fe (Agustín Irusta e Manuel Gárcia Ferrari, 7); as chacareras Entre a mi pago sin golpear (Carlos Carabajal e Pablo Trullenque, 2) e A Don Ata (Mario Alvarez Quiroga, 8); os chamamés Por las costas entrerrianas (Horacio Guarany, 3), A mi Corrientes Porá (Luis Bayardo, 10) e Puerto Tirol (Marcoz Ramírez e Heráclito Pérez, 11); as valsas Alma, corazón y vida (Adrian Flores, 6) e A Gualeguaychú (Humberto Echazarreta e Vicente Saitta, 9), a milonga Pilchas gauchas (Orlando Veracruz, 3); e a Canción de las simples cosas (César Isella e Armando Tejada Gómez, 12).


Todas regravações, nada inédito. Aliás, um repertório conhecidíssimo, boa parte já gravado à exaustão desde os anos 1960-70. Apesar disso (ou talvez por isso…), muito bem adequado à voz de Soledad Pastorutti. Das doze canções, quatro contaram com a participação de Natália, sendo que Alma, corazón y vida (um clássico bolero latino-americano dos anos 50, transformado em valsa) tornou-se, nos meses seguintes ao lançamento do disco, a grande composição cantada em duo pelas hermanas Pastorutti. A propósito, deste CD, pelo menos cinco composições permanecem, com certa regularidade, na playlist dos shows de Soledad ainda hoje. São elas: Salteñita de los valles, Entre a mi pago sin golpear, Pilchas gauchas, Alma, corazón y vida e A Don Ata. Esta última, diga-se de passagem, ficou conhecidíssima por sua introdução (um conjunto de acordes-solo em guitarra, com destaque para o esmero do genial Jorge ‘Laucha’ Calcaterra), um prefixo que sinaliza o encerramento dos shows do “furacão” atualmente.

“Poncho al viento” é um daqueles fenômenos fonográficos inexplicáveis. Falar dele é sempre difícil e nos leva muito mais a louvá-lo por seu repertório e por ter aberto as portas para que o mundo conhecesse Soledad Pastorutti, do que qualquer outra coisa. Depois dele, os discos da santafesina evoluiriam à passos largos no quesito qualidade. O próximo seria o passo definitivo na carreira de uma estrela consagrada; é quando Sole deixa de ser um mero acontecimento de festival, para tomar conta do maior palco portenho, na calle Corrientes.

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